Lancei-me ao desafio de radiografar, ou melhor, fotografar os desertos da alma humana, mas semo intuito de profetizar o óbvio: o ordinário teatro cotidiano. É claro que me refiro ao labirinto do cárceresob o qual descansa o casamento, a família, o trabalho, a repressão patriarcal, a submissão matriarcal, afarsa clerical e, em síntese, todo o “alcoolismo social” em que nos vemos afogados.Mas não há ilusão alguma. Sempre que alguém escreve, o faz com intenção escamoteada de falar desi mesmo e de todo o entulho humano que o soterra. Reproduzir cotidianamente a pastosa vida sob osimulacro da trajetória dos próprios pais, avós e tataravós nos impinge um fim trágico e triste.A crise da “família sólida” é, a bem da verdade, a incompatibilidade de nossa primitividadelibertária e libertina mais explosiva. E ninguém desconfia?! São no mínimo dois mil anos lutandodiariamente para esfacelar qualquer chispa de revolta humana baseada originalmente na luta por uma vidade entrega aos instintos.Claro que faço parte da “matilha”, do jogo, do esquete social, pois quando escrevo sobre outrem, nofundo falo de mim mesmo e dos pobres diabos da consciência que insistem em não nos deixar em paz.Veja que o olhar sobre a normalidade, ou a ilusão da mesma, não é apenas uma construçãopsiquiátrica ou cultural, mas uma necessidade iminente para não naufragarmos sob este oceano danormalidade imposta e velhaca.
José Montanha