O livro que está em sua tela digital é fruto de um tempo particularmente difícil para a sociedade brasileira e, em consequência, para o protestantismo nacional. Foi escrito em um contexto de dogmatismos e intolerâncias; de ignorância e de violência, dentro e fora da igreja. Tempo nos quais o amor e as virtudes exaltadas pelo Evangelho de Jesus Cristo passaram longe da prática de muitas denominações e de líderes protestantes brasileiros, acompanhando a crueldade do regime político vigente a partir de 1964.
Inquisição sem Fogueiras traz, em seu subtítulo, posto entre parênteses, a delimitação temporal efetuada pelo autor: 1954-1974. Mais do que uma menção em obediência às regras acadêmicas que pautam uma obra de natureza historiográfica, tais marcos nos falam a respeito de um período conturbado da história brasileira, começando com o ano do suicídio do presidente Getúlio Vargas e culminando com o ano no qual o general Ernesto Geisel assumiu a presidência do Brasil em plena crise mundial do petróleo.
Dentro do período 1954-1964, encontramos – inspirado nos processos revolucionários em curso, particularmente na América Latina – o desenvolvimento de projetos de interesse popular no país, na tentativa de diminuir o fosso a separar ricos e pobres, capital e trabalho, e Brasil urbano e Brasil campesino. No entanto, nada que se pudesse comparar com processos políticos revolucionários de alta intensidade ou com alterações profundas na base econômica. No âmbito eclesiástico, viu-se o desenvolvimento de uma consciência social nas denominações históricas, estas tão arraigadas à situação de classe média e pouco afeitas a pensar os desafios estruturais da miséria, da fome e da falta de instrução como parte integrante de sua própria missão cristã. No período 1964-1974, dá-se a quebra dessa tendência de atendimento aos interesses e necessidades populares, operada pelas tradicionais elites econômicas e políticas em parceria com o alto estamento militar, estabelecendo-se, assim, um tempo de governos ditatoriais e supressores das liberdades e dos direitos que caracterizam as democracias.
Inquisição sem Fogueiras é obra nascida nesse quadro de intenso sofrimento daqueles que, como João Dias de Araújo, sofreram na pele as agruras de um contexto autoritário que alcançou as estruturas institucionais, e a prática e a mensagem de muitas denominações protestantes brasileiras. Certamente Inquisição sem Fogueiras transcende ao seu próprio tempo, na medida em que nos adverte a respeito do perigo – sempre presente – de tornar-se o protestantismo, de maneira absolutamente paradoxal, avesso aos valores e às virtudes que constituem a base do cristianismo e da fé bíblica e evangélica.
CONSELHO EDITORIAL DO RESISTÊNCIA REFORMADA