Em março de 2020 eu havia sido obrigado a fechar a minha clínica em Dubai e não sabia se iria continuar trabalhando nos Emirados. Queria deixar escrito um resumo do que havia feito até então. Fiz uma descrição dos eventos ocorridos durante o meu tempo no país, sem qualquer envolvimento emocional, uma coisa mecânica. Em julho de 2020, depois de manter as funcionárias em casa por 3 meses, soube que não haveria mais possibilidade de reabrir nem vender a clínica. Fechei a casa e a clínica e acabei me mudando para Lisboa.Depois de me formar em medicina em 1970 e em cirurgia plástica em 1975, trabalhei em São Paulo por 30 anos. Durante esses anos passei de cirurgião iniciante a um dos mais conhecidos cirurgiões plásticos brasileiros, viajando o mundo todo, dando palestras e cursos e fazendo demonstrações de cirurgia ao vivo em todos os continentes. Mas para chegar aonde cheguei o caminho foi duro. Não era fácil ser um cirurgião plástico mais ou menos conhecido e não saber de onde viria o dinheiro para pagar o aluguel no fim do mês. A profissão tem seus altos e baixos e a economia no Brasil é muito volátil. De um dia para o outro mudava tudo. Tive que recomeçar minha vida várias vezes, ou porque o banco quebrou e levou meu dinheiro, ou porque mudou o governo e a moeda, acabando com todas as contas bancárias. Enfim, o caminho foi duro. E a cirurgia plástica é uma profissão em que o paciente espera que o médico tenha sucesso. Não era fácil esconder a miséria quando ela ocorria.Eu oscilava entre o jornalismo, a fotografia e a cirurgia plástica. Sempre gostei de escrever, fotografar e operar. Mas não conseguia me firmar em nenhuma das três profissões. Tinha pequenos sucessos entrevistando pessoas e escrevendo artigos sobre comportamento para algumas revistas da moda, mas o que ganhava com isso não era o bastante para manter casa e família. Minha formação como cirurgião plástico, tanto na estética como na reparadora era boa, mas não conseguia manter uma clientela estável.Depois de 30 anos de profissão, minha clínica em São Paulo recebia pacientes de todo o mundo, e mesmo assim era difícil manter as contas em dia. Até que em 2005 fui convidado a trabalhar em Dubai e me mudei para os Emirados com a família. Foram quinze anos em que consegui entender um pouco a mentalidade do povo do Oriente Médio, e que me proporcionaram condições para educar meus filhos e manter a família em condições que não conseguiria no Brasil.A vida em Dubai, se foi estranha inicialmente, com o tempo passou a ser prazerosa. Fiz novas amizades e continuei a operar e a ensinar, viajando para novos destinos, e conseguindo finalmente poupar um pouco para o futuro. Quando chegamos aos Emirados, Dubai estava passando pela sua melhor fase de expansão, deixando de ser um povoado no deserto para se tornar o Emirado onde todo sonho podia se tornar realidade, o que conseguiu atrair a atenção do mundo todo.Nesses quinze anos que vivemos em Dubai pudemos vivenciar os melhores momentos e fazer parte do crescimento do Emirado. Passamos pela crise de 2008/2009 e saímos praticamente ilesos. Em 2010 a vida já tinha voltado ao normal e continuamos a crescer. Foi com orgulho que passei a representar os Emirados em todos os locais onde ensinava, e em todos os livros e trabalhos que publiquei.Aos poucos, porém, o encantamento inicial foi diminuindo, as coisas que eram antes motivo de contentamento passaram a ser uma irritação. A grande publicidade atraiu gente demais e o que era um sonho tornou-se um pesadelo. Mas foi com grande consternação que, depois de quinze anos, encerrei minhas atividades em Dubai. A gota d’água foi a pandemia, que veio reforçar uma decisão que já estava tomada. Como sou brasileiro e português resolvi abandonar o país e ir com a família para Lisboa. O Brasil não estava mais nos meus planos.Leia mais