“Vamos guerrear a injustiça, proteger o fraco contra o forte, entrar nos cárceres para curar os enfermos, lançar-nos às ondas para salvar os náufragos e atirar-nos aos incêndios para lhes arrebatar as vítimas! Quem não es tiver pronta a perder a vida pela fé jurada, pode assinar seu nome no livro da covardia.”“O que mais admira, senhor Edmundo, é ela entender de todas as indústrias, de todas as artes, de todas as ciências e letras, e até ser uma utopia de governo! Só vendo se pode fazer uma ideia… é incansável! Todos os momentos de sua vida são aproveitados numa atividade célere! […] O senhor terá ocasião de vê-la no trono cercada de um esplendor e de um fausto igual ao que havia em um dia de Luís XIV em Versalhes! Mas logo terá de vê-la no meio de suas Paladinas, vestida de camponesa, dormindo ao relento sobre um carro de feno!”Certa noite o doutor Edmundo teve seu ceticismo colocado em xeque ao confrontar uma figura enigmática que causava temor e fascínio entre os moradores de Passagem das Pedras, no Ceará. Funesta era seu nome para alguns, bruxa ou fada do Areré para outros… mas nenhum título refletia tão bem sua imponência quanto Rainha do Ignoto.Sua canção melancólica atravessava toda a extensão do rio Jaguaribe em um bote conduzido por uma figura monstruosa até se perder de vista, mas permanecera de maneira involuntária na mente do rapaz. Determinado a descobrir o paradeiro dessa mulher emblemática, ele acaba transformando sua curiosidade numa obsessão.Transvestido de mulher, Edmundo adentra na Ilha do Nevoeiro, onde descobrirá uma sociedade totalmente governada por mulheres. Nesse reino pautado por princípios sociais isonômicos e justos, as Paladinas do Nevoeiro, como se intitulam, ocupam cargos de cientistas, professoras, médicas, políticas, advogadas, engenheiras, entre outros, e estão presentes nas mais variadas esferas sociais — todas capitaneadas por uma Rainha hipnotizante.Ela e seu exército buscam corrigir as mazelas sofridas cotidianamente pelas mulheres que ali encontram refúgio, lutando em favor dos desafortunados e injustiçados. Entretanto, por quanto tempo esse reino perfeito e singular será capaz de permanecer em segredo e protegido contra as crueldades do mundo que o cerca?Considerado o primeiro o romance fantástico da literatura brasileira escrito por uma mulher, em A Rainha do Ignoto, a cearense Emília Freitas transgride convenções literárias e sociais ao inserir o leitor em uma utopia na qual realidade e ficção se confundem, revelando um novo mundo similar ao que conhecemos, mas construído a partir da ótica das mulheres de uma sociedade patriarcalista do século XIX.Ilustrações: Bruno RomãoApresentação: Lidia ZuinPosfácio: Enéias TavaresCronologia comentada: Elenara QuinhonesLeia mais