Este é o segundo livro de Priscila Cemis. Seus textos não têm a formatação clássica de conto. Os personagens são rabiscados, quase todos se deixam ver apenas como rascunhos. Os enredos, quando se chega a algo perto disso, são fiapos de histórias que não se amarram, não formam um tecido confiável. A linguagem tem a fluência de uma conversa entre adolescentes sobre a agenda do fim de semana. A desobediência ou desprezo à gramática incomodaria os revisores. A repetição é um instrumento sempre à mão: diálogos, descrições e palavras-chaves se posicionam como notas de uma partitura.
Nos primeiros momentos, o leitor poderá ter a impressão de que a autora está apenas improvisando, puxando ideia atrás de ideia, exercitando seu divino direito de ser vaga, inútil, fugidia. Mas a insistência com que aspectos mínimos do cotidiano, ou pouco palatáveis, ou infantilmente românticos vão surgindo, deixa claro que há um projeto em execução.
Priscila tem o vigor de quem não tem compromisso com escola, estilo, reputação ou com qualquer obra, passada, futura, dela ou de terceiros. As imagens estranhas surgem a todo momento, sorrisos amarelos tentam minimizar sensações desconfortáveis: ninguém aqui está brincando.
Esta não é uma contista pronta e acabada. Os textos reunidos neste Cinco coisas sobre o corpo, como os de Eu acho que vivo dentro de um filme, deixam claro que é uma prosadora em gestação.Tenho certeza de que se ela continuar estudando, lendo, produzindo e vivendo intensamente a literatura, em pouco tempo estará ombreando com os melhores de sua geração.
Sérgio Fantini