De que maneira a relação com a terra que se habita perfaz e transforma as relações mais íntimas? O que o desenraizamento pode provocar? Ao compor o percurso de uma família de judeus marroquinos que chega à Amazônia durante o ciclo da borracha, Myriam Scotti brinda o leitor com personagens cujas fronteiras psíquicas se movem ante o desconhecido.
Trata-se de um romance ímpar e comovente, construído com muita delicadeza nas narrações de Abner, um dos filhos, e de Syme, a mãe. A autora planta a terra úmida amazônica em cada personagem, e ela se infiltra lentamente em suas expectativas e dores, pressionando suas paisagens internas.
Com destreza narrativa, Scotti tece as memórias de Abner e Syme num movimento pujante e fluido que enreda o leitor até a última página. Cabe destacar a maneira brilhante com que foi construída a tensão no círculo familiar, que resvala para questões fundamentais entre o feminino e o masculino.
Ao ler Terra Úmida, o leitor vai se deparar com cenários exuberantes, sentirá os cheiros do Marrocos e da Amazônia, mas perceberá em tudo isso o peso da ancestralidade a se erguer sobre todos os espaços. Como disse a escritora italiana Natalia Ginzburg, que tão bem escreveu sobre as questões familiares, o destino transcorre na alternância de esperanças e nostalgias. É uma reflexão que cabe também a esta bela obra que você tem em mãos.
Anita Deak
O romance é vencedor do Prêmio Literário de Manaus 2020, na categoria melhor romance regional.