Boa parte dos contos de Machado de Assis é apresentada individualmente nesta coleção, desde os mais célebres até os menos conhecidos. Sempre surpreendentes, são a melhor forma de se aproximar da obra do autor, reconhecido pela criação de formas literárias inovadoras. É começar a ler para conferir como esses textos conquistam a todos em poucas páginas. São narrativas tão complexas quanto envolventes, nas quais o leitor terá o prazer de encontrar a força e a atualidade de um mestre brasileiro.
As estrelas, quando viam subir, através da noite, muitos vaga-lumes cor de leite, costumavam dizer que eram os suspiros do rei de Sião, que se divertia com as suas trezentas concubinas. E, piscando o olho umas as outras, perguntavam:
– Reais suspiros, em que é que se ocupa esta noite o lindo Kalafangko?
Ao que os vaga-lumes respondiam com gravidade:
– Nós somos os pensamentos sublimes das quatro academias de Sião; trazemos conosco toda a sabedoria do universo.
Uma noite, foram em tal quantidade os vaga-lumes, que as estrelas, de medrosas, refugiaram-se nas alcovas, e eles tomaram conta de uma parte do espaço, onde se fixaram para sempre com o nome de Via-Láctea.
Deu lugar a essa enorme ascensão de pensamentos o fato de quererem as quatro academias de Sião resolver este singular problema: – por que é que há homens femininos e mulheres masculinas? E o que as induziu a isso foi a índole do jovem rei. Kalafangko era virtualmente uma dama. Tudo nele respirava a mais esquisita feminilidade: tinha os olhos doces, a voz argentina, atitudes moles e obedientes e um cordial horror às armas. Os guerreiros siameses gemiam, mas a nação vivia alegre, tudo eram danças, comédias e cantigas, à maneira do rei que não cuidava de outra coisa. Daí a ilusão das estrelas.