Estamos diante de um relato da lavra de Paulo Malerbi,engenheiro de formação, que ora, com engenho, incursiona pelaarte da narrativa.O protagonista do relato é um piloto cujo avião perde o controlee é salvo pelo piloto de um Cessna, o qual a leitura revelará seruma figura de importância transcendental na trama de “Acimadas Nuvens e Além do Nevoeiro“.Diferentemente de boa parte da literatura hoje produzida, aqual prima por uma atitude blasé ou por um impulso niilista, noqual a vida é apresentada como algo que não tem nem poder tersentido, o livro escrito por Malerbi expressa adesão a valores bemdelineados e uma concepção do ser humano e da ordem cósmicaimbuídas de categorias metafísicas solidamente afirmadas.Que os desavisados, porém, não tomem essas característicasda obra como uma objeção ao caráter propriamente literário de“Acima das Nuvens e Além do Nevoeiro“.Como a Divina Comédia de Dante Alighieri, o relato de PauloMalerbi consegue expressar em meio à metafísica um dramahumano, tocante, comum em suas circunstâncias, mas singular,singularmente inefável como a circunstância de cada um de nós.Dante entremeava a metafísica de Tomás de Aquino com a suapaixão por Beatriz Portinari e com as desventuras da política daFlorença medieval. Do mesmo modo, Paulo Malerbi, imbuído de preceitosinabaláveis, deixa-se embalar pelas vicissitudes da existênciae tece um fio narrativo que envolve o leitor em uma trama cujoprotagonista é um inominado piloto secundado por aquilo que poderíamos chamar de “nomes do Pai“.O piloto vê-se envolto em nevoeiro e é salvo pelo piloto de umoutro avião, que indica onde pousar a salvo das névoas letais: oprotagonista do relato pousa e aos poucos vai percebendo a riquezasignificativa dos fatos que o circundam.Paralelamente ao episódio narrado, há outra problemática quese coloca como fio condutor: o divórcio do piloto e a sua tristeza pornão poder mais contar com a cotidiana companhia dos filhos.Se o papel de piloto foi posto em xeque pelo nefasto nevoeiro, odivórcio tornou-se um estorvo para o papel de pai, a família pareceser uma aeronave não mais pilotada pelo nosso herói.Mas o pai continua, no acima das nuvens, no nevoeiro, no pânico,na pane, na aspiração que não morre e desenha no ar os caracteresde um caráter robusto que arde em amor e zelo pela prole.Num texto literário, tudo é significativo, assim, não é a toa queo avião que voa e se turba nas páginas de “Acima das Nuvens eAlém do Nevoeiro“ se chama “Coruja“.As figuras do pai, do avião e da ave se amalgamam numa vivametáfora.Mas toda metáfora traz o problemático e o paradoxal em suasentranhas.A coruja e sua ninhada estão no ninho, na terra firme e o paiestá nos céus, nas lonjuras, nas fascinantes e inóspitas plagas dasaventuras.A coruja, em princípio, é a mãe. Mãe é mãe, diz o povo em sua sabedoria.A mãe-que-é-mãe é um rosto, uma carícia, uma presençaimediata e categórica, ao passo que o pai tende a ser uma falta,uma presença preservada no formol do preceito.Seria um exagero dizer que o pai é ninguém ou qualquer um.Mais disparatada seria a redução da figura paterna a umafunção, um cargo ou a um rol de regras.Todavia, o pai sempre ruma para ser um nome, um nomeentre outros nomes, uma presença no abstrato céu das idéias, dossímbolos e dos espíritos de além-túmulo.Assim, o inominado piloto profere o nome de vários pais: Allan Kardec, Chico Xavier, Major Jason, Júlio Korn, WilliamShakespeare.