Entendemos a “miséria brasileira”, utilizando (e ampliando) a fórmula marxiana de “miséria alemã”, como sendo a determinação particularizadora para o capital e capitalismo de via colonial-escravista no Brasil, que se caracteriza pela produção e reprodução do atraso e do anacronismo remanescente em todos os âmbitos da vida, desde as relações materiais de produção e intercâmbio até as correspondentes formas políticas de luta de classes e principalmente, as condições sociais, culturais, subjetivas e psicológicas. No seu processo de modernização, a sociedade brasileira é forçada a combinar o arcaico e o moderno, o históricamente velho e o historicamente novo, articulando defeitos civilizados com defeitos bárbaros do capital atrófico (como diria José Chasin). A idéia do projeto tela crítica neste longo ensaio ensaio, é apreender através do cinema brasileiro, a alma do Brasil; ou o sentido (e a forma) dos traços visíveis do arcaísmo moderno da civilização brasileira.A “miséria brasileira”, como movimento de esforço do capital incompletável para alcançar a situação moderna por meio de surtos de “modernização conservadora”, deixou seu rastro no plano estético do cinema nacional. Nosso objetivo é identificá-los nas narrativas fílmicas, compostas por personagens típicos, situações de vida e posições de classe permeadas pelo ethos conservador e tradicionalista; e pelos afetos profundos da alma brasileira (medo, culpa, inveja e ciúme). Do mesmo modo que Siegrid Kracauer – no livro “De Caligari a Hitler” – analisou os filmes alemães para entender a alma alemã pré-Hitler, abriremos neste ensaio – no limite do possível – um espaço de reflexão de análise crítica de filmes do cinema brasileiro, visando entender a alma do povo, classe média e classes dominantes do Brasil na sua etapa de modernização conservadora.