O termo técnico “essência real” é introduzido no léxico filosófico pelo filósofo inglês John Locke (1632-1704) no seu Ensaio Sobre a Compreensão Humana (doravante “Ensaio”) que foi publicado pela primeira vez em Londres, em dezembro de 1689. Para compreender muitos dos argumentos de Locke nos Livros III e IV do Ensaio, é importante compreender o que é uma verdadeiraessência. Assim, o objetivo desta entrada é explicar as várias interpretações da “essência real” que estão na literatura atual. Outra razão pela qual isto importa é que o conceito de “essência real” (ou variações do mesmo) tem estado no centro de grande parte do debate filosófico sobre o realismo natural desde o tempo de Locke, pelo que parte desta entrada pode servir também de introdução histórica a esse debate.Muito simplesmente afirmado, uma verdadeira essência, para Locke, é o que faz algo o que é, e no caso das substâncias físicas, é a causa física subjacente às qualidades observáveis do objeto (salvo constatação em contrário, limitaremos a nossa discussão neste artigo às verdadeiras essências das substâncias materiais). Uma essência nominal, por outro lado, é uma ideia abstrata que fazemos quando identificamos qualidades semelhantes partilhadas por objetos; a essência nominal é a ideia das semelhanças partilhadas. A distinção entre essências reais e nominais desempenha um importante papel semântico no Livro III e um importante papel epistemológico no Livro IV do Ensaio. O papel semântico será discutido mais abaixo, mas em poucas palavras, Locke argumenta no Livro III que as palavras têm significado apenas na medida em que podemos anexar ideias a elas. Uma vez que as essências nominais são as ideias abstratas que usamos para nomear e distinguir a espécie ou género das coisas, os significados da nossa espécie ou termos de género são apenas ideias abstratas. Por exemplo, uma ideia comum de pinguins é de aves aquáticas curtas, pretas e brancas sem voo. Essa ideia abstrata é o significado da palavra “pinguim”. Em contraste, Locke continua a argumentar, não temos ideias de essências reais e por isso os nossos termos de espécie ou género referem-se às essências nominais, não às essências reais (II.xxxi.6; as citações ao Ensaio de Locke são dadas como livro, capítulo, secção; por isso o Livro II, capítulo xxxi, secção 6 é dado como “II.xxxi.6”).No que diz respeito ao conhecimento, no Livro IV Locke argumenta que o conhecimento só é real se as nossas ideias corresponderem aos seus arquétipos da forma apropriada. O conhecimento científico ocorre quando as nossas ideias de essência nominal correspondem às verdadeiras essências. De acordo com Locke, em matemática e moralidade as essências nominais e reais são as mesmas. Ou seja, as definições de conceitos matemáticos ou morais constituem simultaneamente as essências nominais e reais desses conceitos. Por isso é possível ter uma ciência humana da matemática e da moralidade. No caso das substâncias, porém, as essências reais e nominais são sempre diferentes, pelo que não existe uma ciência humana possível de substâncias (IV.vi.12-16).