Por meio de uma prosa poética, “Útero Bruto” vai do óbvio ao visceral. Partindo de uma linguagem que se aproxima, por vezes, da oralidade, a obra descortina questões de ordem afetiva que circundam o imaginário feminino. Do abotoar de um sutiã à perda de um filho, o livro traz à superfície fragmentos mnemônicos vivenciados pelo eu lírico que se coloca como um porta-voz de mulheres cujos corpos foram e são docilizados. Do tom confessional ao timbre colérico, os poemas protestam contra o domínio do olhar alheio, sobretudo daquele que se diz masculino. Mais do que isto, propõem que a mirada feminina alcance seu próprio corpo, dando a este o devido protagonismo. Em um jogo entre a curadoria linguística e a vulgaridade atribuída a palavrões, a autora subverte a forma discursiva, a fim de trespassar o decoro, seja lexical ou ideológico. Transgredir é a ordem de um útero que ultrapassa o órgão, que se faz bruto, em seu pulsar, à medida que se torna instância partilhada, social e política.