“Com alegria trazemos a lume o presente livro, constituído por um conjunto de artigos que nos traz questões variadas da história do direito penal e da justiça criminal a partir da transição para a modernidade e nela se concentrando. A obra cuida de um arco temporal com aproximadamente dois séculos, englobando a fundação da modernidade jurídica no final do século XVIII, o século XIX e algumas declinações modernas ao longo do século XX. Os textos alcançam dois espaços jurídicos ora vistos bem delimitados entre si, ora interconectados, como são os mundos europeu-continental e o luso-brasileiro, e que, por isso, serão interconectados por alguns autores. Como mostram os estudos recentes (MECCARELLI, 2018), foi a transição para a modernidade, por meio do pensamento iluminista, que criou a cisão entre direito penal e justiça criminal. Até então, esta última continha dentro de si as dimensões da determinação e administração da justiça; vale dizer, a atividade de facere iustitiam era integrada entre saber doutrinal (no caso do direito penal, pela dita praxística) e atividade jurisprudencial (por meio do poder de arbitrium) em um quadro pluralista das fontes jurídicas. Com o advento da separação dos poderes e o estabelecimento do princípio da legalidade, a construção das bases do direito de punir ficou monopolizada pelos novos órgãos políticos, restando às instâncias judiciárias a aplicação de um direito pré-estabelecido pela lei do Estado.Os movimentos penais que se sucederam, como os philosophes iluministas, a “escola” clássica ou italiana, a escola positiva, a terza scuola e o tecnicismo jurídico buscaram assentar um novo papel à doutrina penal diante do legislador e dos juízes, que ia de um reformismo radical, passando por formas de integração e chegando a uma postura de subserviência. Por isso, ao fim, não importa se a dimensão acentuada pelos artigos ora se debruce sobre as mudanças legislativas ou então se demore no debate doutrinário: as ausências acabam por refletir, como em um jogo de espelhos, como saber e poder no âmbito penal se enxergam e buscam um lidar com o outro, seja pela deferência ou por tentativas de controle mútuos.Adicionar a relação entre Europa e Brasil acrescenta a importante questão centro-periferia, fundamental em um momento histórico em que muda o eixo de circulação das ideias jurídico-penais (NUNES, 2018). (…)O livro que ora apresentamos faz parte de um esforço coletivo capitaneado pelo Ius Commune (Grupo de Pesquisa em História da Cultura Jurídica – CNPq/UFSC), nascido em 2004 e sediado em Florianópolis, com o auxílio do Studium Iuris (Grupo de Pesquisa em História da Cultura Jurídica – CNPq/UFMG), nascido em 2015 e sediado em Belo Horizonte e de historiadores do direito do Brasil e da Europa. Este trabalho visa contribuir para a afirmação do campo da história do direito no Brasil, e da história do direito penal e da justiça criminal em particular. Sob a perspectiva teórica, o Ius Commune – bem como os pesquisadores brasileiros e estrangeiros que colaboraram com a presente obra – aborda as experiências jurídicas ocidentais como fenômenos culturais localizados historicamente, afastando-se simultaneamente de certas abordagens que alçam as juridicidades a uma dimensão atemporal, bem como daquelas que reduzem as experiências jurídicas a reflexos automáticos das formações sociais. Trata-se, portanto, de tomar as experiências jurídicas como fenômenos com uma espessura própria, produtoras de sentidos e comportamentos sociais.”Diego Nunes(Da Apresentação)