O breviário do teórico francês Jean Baudrillard sobre os fenômenos da realidade, da cultura e da comunicação espelha o espírito da época (Zeitgeist) em que vive a civilização neste início do século XXI. Para ele, vivemos o clima de anomia moral, o desencanto social com as ideologias e com as promessas políticas, o mal-estar com as crenças no conhecimento, a angústia pela crescente secularização, a inquietude pela hegemonia da cultura ligeira, o sentimento de deriva espiritual diante do fim das sociedades regidas pelo princípio da igualdade, a leveza do ser pelo crescimento do misticismo e a entrega irrefletida da juventude ao frenesi da estética festiva e hedonista. A sociedade sente que chegou ao fim um ciclo histórico. Os povos vivem uma diáspora moral, os pragmáticos deliciam-se com os encantos da sociedade de consumo, os argonautas do presente entorpecem-se com os gadgets tecnológicos e os órfãos do sonho de Prometeu banham-se em suas ilusões cosméticas e no individualismo. O sentimento é de que entramos em um tempo estranho e paradoxal. A emancipação absoluta do homem da religião (reforma), da escravidão (democracia), da servidão (trabalho e tecnologia), da ignorância (cultura e os mass midia) e da moral estóica (a libertação sexual) parece esvaziada pela institucionalização da racionalidade instrumental (zweckrationalität), pela anorexia da imaginação (videosfera), pelo fim dos laços humanísticos e comunitários (solidariedade mecânica), pelo cotidiano da sociedade do contrato (gesellschaft), pelo fim da tradição e dos valores (presenteísmo eterno), pelo desencantamento do mundo (entbausserung) e pela angústia compulsória vivida pelos seres humanos soterrados pelo princípio da realidade (mínimo eu) .Os frutos da mente baudrillariana acabam impregnados pelo niilismo, pelo fatalismo, pelo iconoclasmo e pela implosão, próprias da pós-modernidade, e refletem a desilusão com qualquer crença na verdade única e infinita dos modernos, além de desdenhar a liturgia das regras matemáticas e físicas do conhecimento, preferindo as teses da irracionalidade, da relatividade e da incerteza. A filosofia-espetáculo da implosão denuncia a economia, a política, a moral, a cultura, a arte, e faz Baudrillard acreditar que vivemos o holocausto da cultura e a inanição absoluta da consciência perante o êxtase frenético da técnica e a apoteose delirante dos simulacros.O armagedon social hic et nunc de Baudrillard consagra hiperbolicamente a própria crença na glória do universo técnico e no colapso humano já consumado. A visão anabolizada da hiper-realidade, povoada por espectros, sombras e deformações, absolutiza a orgia estética de tal forma que fez o pensador anunciar já estarmos vivendo além do juízo final, ou seja, no próprio estado do pós-apocalipse.Nada há mais chance para os seres humanos, já que todos os fenômenos sociais e culturais desmaiam diante da dissolução do sujeito maquinizado pela técnica e pela razão instrumental. Não há mais imaginário, apenas imagem e o reino metálico dos códigos soberanos do capital. As ilusões e as fantasias despencam no abismo do sentido e na incapacidade absoluta do sujeito lutar contra um sistema irremediavelmente operacional e comutativo. Ao final, Baudrillard mostra que a implosão da essência ontológica do sujeito, por força do cárcere tecnológico, da tautologização das subjetividades, do poder de sedução dos objetos, dos modelos fractais, leva à implosão da comunicação, imediatizada no estímulo-resposta, no fim da distância entre sujeito e objeto, na impermeabilidade às mensagens, na mecanização do imaginário e na reprodutibilidade técnica de uma cultura vazia, que conduz à implosão da realidade, transposta para o hiperespaço da tecnologia e da virtualidade, para o imperialismo das imagens e para o reino absoluto dos simulacros.