Do encenar ao escrever, um intento desafiador ― sobretudo em se tratando de uma escrita dramatúrgica, em tempos de fake news, de pouquíssima leitura e criticidade, de uma desleal concorrência com o império da imagem ―, eis o trajeto que venho percorrendo. O livro, assim como o escrever, certamente sobreviverá à pandemia e a tudo que ameaça nos conduzir à pasteurização da cultura, ao esvaziamento, à saturação das linguagens, a um certo esquecimento.
“Cenários étnicos em dramaturgia” representa o desafio de jogar luz sobre o teatro enquanto guardião da memória, um teatro que pense sobre como historicamente nos comunicamos, contracenamos e preservamos nossas identidades. Essa nossa dramaturgia, para além do aspecto da espetacularidade, busca refletir e propor sobre realidades e cenários de grupos tantas vezes ofuscados em nosso processo social, enfatizando singularidades importantes de nossas tradições, quase sempre relegadas, pelo preconceito, à invisibilidade.
Busco, aqui, pela via do texto teatral e pela escrita que se entremeia às cenas, fazer reverência a três grupos étnicos: o Povo Roma (ou, simplesmente, os Ciganos), os povos originários da floresta, representados aqui pelos Avá-canoeiro) e os Povos de Terreiro, representados pelo mito de Zé Pelintra e de alguns outros personagens da Umbanda e do Candomblé, no sentido de um texto e de um teatro que valorize a memória e as identidades desses povos, na busca da recriação e ressignificação de suas narrativas, de seu conhecimento e imaginário.