O livro aqui publicado, O Espetáculo. Supremo Estagio do Fetichismo da Mercadoria é o ultimo escrito de Daniel Bensaïd. Trata-se de uma obra inacabada, mas de uma extraordinária riqueza. Como o observa René Schèrer, no prefácio à edição francesa, sua escrita é interrogativa, apressada, ardente, como que movida pela urgência, na inquietude de uma morte tragicamente próxima.Se poderia dizer que o fio condutor é um esboço de « genealogia do desespero », uma análise crítica dos pensadores que parecem considerar – mesmo que seja para deplorá-lo – que a dominação do capital não tem limite. Enquanto que György Lukács acreditava — como o mostra ainda Dialética e Espontaneidade (1925), sua resposta aos críticos « ortodoxos » de História e Consciência de Classe (1923) — na atualidade da revolução, e no papel decisivo do fator subjetivo, vários de seus discípulos parecem aderir à uma visão muito mais sombria, onde a alienação e a dominação absorvem todas as alternativas históricas. É o caso, pelo menos em parte, de Herbert Marcuse, que lamenta o declínio da « Grande Recusa » ao mundo dos negócios, o mundo baseado no cálculo e no lucro — uma recusa inspirada pelo elemento romântico da cultura, pelo « espaço romântico da imaginação ». Eu sei que Bensaïd desconfiava do romantismo – era um de nossos temas de discussão – mas ele parece aceitar aqui, sem muitas reservas, o argumento do autor do Homem Unidimensional (1964) sobre o potencial subversivo da cultura romântica. Em todo caso, para Marcuse, apesar de tudo, escreve Bensaïd, « a porta estreita por onde pode ainda fazer irrupção um possível intempestivo fica entreaberta » – uma bela imagem que entretanto parece mais bem inspirada por Walter Benjamin do que por Herbert Marcuse. Mais pessimista ainda do que Marcuse é Guy Debord, escritor, filósofo e cineasta, fundador do Situacionismo e autor da Sociedade do Espetáculo (1967), uma obra importante de crítica anticapitalista que vai inspirar o título do livro de Bensaïd. Os escritos de Debord estão carregados de uma sombria melancolia : « damos voltas sem fim na noite, devorados pelo fogo » é o titulo de um de seus mais belos filmes. Convencido de que « o conjunto do projeto revolucionário » foi derrotado ja nos anos 1930, Debord denuncia a sociedade do espetáculo, que na sua versão suprema, o espetáculo integrado, elimina sistematicamente a história e destrói qualquer projeto crítico. O grande mérito de Debord, segundo Bensaïd, foi de perceber que a tentação do determinismo científico é a brecha no pensamento de Marx pela qual penetrou a « ideologização do marxismo ». Esta visão infernal da eternidade mercantil capitalista é levada ao extremo por Baudrillard, Agamben, Surya, Holloway. Bensaïd opõe à esta « radicalidade sem política » o pensamento estratégico, que busca uma saída nas práticas, na crise, no partido. Este é o título de um ultimo capitulo que ele não teve tempo de escrever…(Michael Löwy)