Morte da cultura? Enquanto houver homens, não haverá cultura? Na verdade, a expressão “morte da cultura” filia-se a uma tradição filosófica que remonta à decretação da morte de Deus em Nietzsche, e o tema da morte do homem por parte dos estruturalistas. Vendo a cultura como um sistema imunológico protetor e regulador da vida social, ela aponta para a falência da superestrutura simbólica no seu papel essencial de dar sustentabilidade, orientação e sentido à existência de seus membros. O estresse generalizado, a proliferação de depressivos e a exacerbação dos ódios e do s índices de suicídio seriam, nesta perspectiva, apenas reflexos individuais de uma sociedade enferma e desequilibrada. Identificando o “programa da racionalidade” como o causador da morte da cultura, o autor disseca as duas “patologias” que acometem a cultura: as rupturas ocasionadas pela descoberta da escrita e a adoção do dinheiro como medida universal de valor. Essas invenções possibilitaram o surgimento das civilizações, as guerras, a explosão demográfica, o capitalismo, a desestruturação ambiental, e a transformação do homem em mera peça a serviço de uma gigantesca engrenagem de produção e consumo. Após descrever historicamente a evolução do capitalismo e a crise do iluminismo, o autor propõe um anarquismo dadivoso, ou seja, um novo modo de vida onde a dádiva substitua o desejo de acumulação e o cultivo da sabedoria leve a uma vida mais autêntica e norteada por valores perenes.
Publicado pela primeira vez em 2017, as teses fundamentais da “morte da cultura” estão mais do que nunca atuais em função da pandemia do novo coronavírus, pois explicitaram a falência dos valores culturais e a crise do capitalismo. Nesse sentido, sua leitura pode contribuir para uma compreensão do atual estado de coisas e é, sob vários aspectos, uma antevisão teórica dos impasses da contemporaneidade.