Gilberto Freyre tornou-se daqueles autores mais criticados do que efetivamente lidos e interpretados. A seu nome geralmente vêm associados determinados rótulos, como “democracia racial” e “miscigenação”, que funcionam como verdadeiros atalhos hermenêuticos através dos quais sua obra ou é imediatamente descartada ou irremediavelmente empobrecida. O primeiro objetivo deste livro é oferecer uma leitura de Freyre desapegada desses rótulos, evidenciando os aspectos de distanciamento, de violência e de crueldade que se deram paralelamente àqueles de aproximação, integração e associação ao longo da formação da sociedade brasileira. O segundo é o de compreender como tais aspectos foram “ocultados”, não por Gilberto Freyre, mas pelas leituras que sua obra recebeu. E, por fim, para elucidar a constituição dos padrões sádico-masoquistas de relação interpessoal, propomos dois conceitos: o “manejo escravocrata” e a “educação para o patriarcado”. Este último passo nos permitiu perceber como tais padrões, além de resistirem aos tempos, se dispersam por diversas esferas da cultura e da sociedade brasileiras: em especial, a esfera política, na qual formas masoquistas de comportamento alimentam as mais grotescas e mesmo sádicas formas de populismo e autoritarismo. Com isso, esperamos chamar a atenção para a atualidade do pensamento de Gilberto Freyre, o modo como sua obra ainda fala diretamente a nosso presente sobre coisas que gostaríamos de esquecer ou de continuar ignorando, mas que de tempos em tempos se manifestam na história brasileira com escandalosa ostensividade.