“Os Jequitibás continuam a engolir os anos, vendo passar fagulhas de homens e bichos alimentando a gastança da vida.”
A história de Mirante dos Jequitibás se desenvolve em torno da amizade entre um menino de uma favela e um menino de um condomínio fechado numa cidade do interior baiano. Manipulando bem o simbolismo que envolve a longevidade dos jequitibás (árvores que chegam a durar três mil anos), o autor cria na trama do romance uma interessante cadência de contrastes e relações humanas. A sua escrita traz momentos às vezes densos e crus – como o terrível rodízio alimentar da numerosa família de Dêga, num feliz jogo semântico que o autor faz com a palavra rodízio -, alternando com momentos sensíveis – como a compaixão do menino de condomínio Pépe pela avó do menino da favela Pau da Miséria, e o seu plano utópico de cuidar secretamente da anciã.
Em que pese o pendor crítico aguçado pelas leituras teórico-antropológicas do acadêmico estudioso da obra de Darcy Ribeiro, o certo é que o texto de Arthur Caria consegue se desviar dos esperados clichés que envolvem os temas como a ‘infância’ e a ‘fome’, e compor este “conto obeso” de 42 pequenos capítulos, como descreve o próprio autor, dedicado “a todos que têm fome de um dia ter apetite. E a todos que têm apetite para vencer a fome.” Raramente questões atuais como ecologia e desigualdade social terão pinceladas tão precisas num texto rápido, leve e marcante como Mirante dos Jequitibás.