Bertholino levanta e encontra, perplexo, a faquinha ensanguentada. Em cima da cama, uma prostituta jaz inertesobre lençóis empapados de sangue. Ele acha que não matou. Não lembra. Mas precisa livrar-se do corpo.Dias antes, uma inesperada e excelente – excelente? - notícia chegara dentro de um envelope vindo da fronteira com a Argentina, a 800 km de Porto Alegre: ele é informado de que é herdeiro de uma fazenda em Uruguaiana. Deste ponto em diante, o destino, bipolar, mantém o inescrupuloso empreiteiro Bertholino numa frenética e desgovernada gangorra que alterna fugazes momentos de júbilo com horror -- um horror ancestral, que atravessa os tempos, fustiga o presente e incinera corpos dentro de um poço abandonado. O passado, esguichando sangue, brota do chão.De madrugada, pela janela do quarto que ocupa no casarão de pedra da fazenda ele vê o cavaleiro de capa e chapéu preto que o observa soturno. Mas quando o filho olha para a figura que o pai lhe aponta, ele só vê escuridão e o chão branco de geada... “Não é bom olhar para o passado”, lhe diz o delegado Medina, enigmático. “Pode-se saber de coisas que não interessam”. O passado remete diretamente às degolas da Revolução Federalista de 1893, que envolveu o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e o Paraná.“O pampa vazio funciona aqui como um perfeito cenário silencioso que incita ao crime e no qual se movem sombras abomináveis”, diz o escritor argentino Mempo Giardinelli, na apresentação deste clássico brasileiro de horror.Leia mais