O autor de Lavoura arcaica não é Raduan Nassar. Nesse conto em que a chegada de um estranho perturba um pequeno grupo de idosos estabelecido sob normas implícitas, descobre-se quem é o verdadeiro criador da história que celebrizou o escritor paulista.
“Conheci André na praça onde jogávamos dama, conversávamos sobre doenças, falávamos mal de nossas mulheres e nos gabávamos dos nossos netos. Eu estava numa partida com Gonçalves quando ele se aproximou, colocou-se a um passo da mesa e ficou nos observando. Parecia ter mais de setenta anos. Ninguém o conhecia, devia ser novo no bairro. Não nos cumprimentou, desse modo também não o cumprimentamos. Fiquei incomodado com a sua presença muda, por isso demorei para fazer uma jogada. Ô Japa, reclamou o meu companheiro, abre o olho, está dormindo? Eu me apressei, e então o desconhecido perguntou, Vocês não jogam xadrez? Percebi certa arrogância na pergunta. Gonçalves, provavelmente, teve a mesma impressão, pois levantou os olhos e respondeu em uma palavra, Não! Eu pensava em dizer que sim, que jogava xadrez, que sentia falta de um companheiro para jogar comigo, mas o não do meu amigo me intimidou. O homem, então, sorriu timidamente, Desculpe, nada contra o jogo de dama. E se afastou, sentando-se num banco próximo.Continuamos jogando, mas não conseguíamos mais nos concentrar. Gonçalves estava irritado, deixou uma de suas peças desprotegida num lance impensado, e promovi uma de minhas pedras a dama. Entre uma jogada e outra, eu observava o homem, que retirara um livro de uma sacola de pano cru amarronzado e começara a ler. (…)”
Este conto faz parte da Coleção Identidade. Saiba mais em www.amazon.com.br/colecaoidentidade