Eric Hoffer, num texto publicado em 1952, intitulado “Os levantes populares em países comunistas”, discutindo especificamente a possibilidade de um colapso do modelo comunista na URSS, escreve o seguinte:
Mas há uma coisa que se não pode fazer sem riscos, é afrouxar e reformar. Tocqueville salienta-o com muita ênfase quando diz que ‘nada senão o grande gênio político pode salvar um soberano que resolve aliviar seus súditos após um longo período de opressão’. Baseando-me nas observações de Tocqueville, sugeri em 1950 que uma rebelião popular na Rússia Soviética é bastante improvável, antes que o povo tenha uma amostra real de boa vida. O momento mais perigoso para o regime do Politburo será quando uma considerável melhoria nas condições econômicas das massas russas for atingida e a mão de aço totalitária for afrouxada. (E disse ainda) – o momento crítico para os regimes Comunistas virá ‘quando começarem a reformar, isto é, quando começarem a mostrar tendências liberais’.” (HOFFER, 1969, p. 84)
Mais claro parece impossível. A União Soviética não vai desmoronar em 1950. É preciso que estejam presentes algumas condições muito específicas: melhores condições econômicas, seguidas de movimentos de liberalização, ou em outras palavras frearem a mão dura do estado (podemos chamar este movimento de Glasnost), e propor reformas no modelo de gestão da economia planificada (podemos chamar isto de Perestroyka). O mais interessante aqui é que não se trata de uma antevisão mística de Hoffer sobre a queda da URSS, ou um momento de sensibilidade poética. Ele coloca claramente que está baseando sua análise nas categorias de Tocqueville, um autor respeitado e clássico no campo de conhecimento das ciências políticas, e mostra as condições necessárias para o colapso, conforme ficaria ilustrado em 1989. A pergunta então é:(a) por que, no meio da década de oitenta, não vamos encontrar nenhum intelectual na área que recupere o pensamento de Tocqueville e perceba, usando suas categorias de análise, que o modelo soviético está com problemas?(b) por que, no meio da década de oitenta, não vamos encontrar nenhum intelectual na área que recupere a análise de Hoffer sobre os comunistas, a partir de Tocqueville, e perceba que o modelo soviético está com problemas?A resposta é simples. Por que a área da sociologia não funciona. Ela pode até produzir textos esparsos com conteúdo de verdade, que dialogam com seu objeto. Mas como área de conhecimento, no sentido forte do termo, ela não existe. Não se estabelece como um corpo teórico que, apesar de divergências internas entre diferentes abordagens, produz conhecimento verdadeiro sobre seu objeto. O fato é que a sociologia se apequenou. Era a área de conhecimento que detinha o maior, mais complexo e mais diversificado objeto de pesquisa: a sociedade. E antes da crise de paradigmas pós queda do Muro de Berlim chamava para si as mais amplas questões que podia conceber o cérebro humano. Mas aí ela se perdeu, e as áreas concorrentes, desde a política e a antropologia até a medicina social, ou saúde pública, passaram a arrancar-lhe pedaços. Esperamos que, até o final deste texto, algumas das razões que levaram o campo da sociologia a viver esta situação estejam mais claras.O texto a seguir não segue as regras mais evidentes da ortodoxia acadêmica. A reflexão teórica dará espaços para descrições de cenas de acontecimentos sociais imaginários, com dupla função. Por um lado, tentam tornar a leitura menos árida e cansativa e, por outro, buscam esclarecer e reforçar os conceitos apresentados através de exemplos ilustrativos.Os casos apresentados são frutos da imaginação e seus personagens jamais existiram no mundo real. Num planeta com mais de sete bilhões de pessoas sempre pode acontecer de alguém se identificar com alguma situação.