Por qual “regime de veridicção” passou Mário de Andrade entre sua atuação na Semana de 22 e o seu Carnaval Carioca? Em que medida ele foi alguém capaz de verdade, da coragem de verdade? Em que medida seus discursos sobre literatura, o programa de modernização da literatura produzido por ele, não causou uma ruptura em seu próprio modo de dizer a verdade, entre o poeta e o teórico? Não se trata de uma escansão, de uma abertura da verdade, não entre “palavras e coisas”, mas de uma relação assimétrica entre as condutas cotidianas e os livros de preceitos morais como Foucault fez a utilização em seu terceiro volume sobre a História da Sexualidade? O livro de Artemidoro, texto que dá início ao livro, “não estabelece, em geral, de maneira direta e explícita, julgamentos morais a respeito desses atos [sexuais]; mas mostra esquemas de apreciação geralmente aceitos. E pode-se constatar que esses esquemas são bem próximos dos princípios gerais que já organizavam, na época clássica, a experiência moral dos aphrodisia”. Logo, na sua livre expressão poética, Mário de Andrade expunha seu modo de lidar com os prazeres, prazeres esses estéticos, mas também amorosos ou sexuais. Isso traça um nítido contraste com a análise dos “programas” elaborados na época; na linguagem foucaultiana, um contraste entre os códigos de comportamento (o programa) e as formas de subjetivação (a conduta), isto é, o que se poderia chamar de determinação da substância ética ou os modos de sujeição do indivíduo a essa determinação, “à maneira pela qual o indivíduo estabelece sua relação com essa regra e se reconhece como ligado à obrigação de pô-la em prática”.