Uma peste converte pretos e brancos em homens lilases. Acaba o racismo? Não, não acaba, metamorfose. Um cavaleiro desmonta e diz para os outros:
– Outrora, em suas linhas gerais, os dominadores eram brancos e os dominados eram pretos. Então, justificava-se o disfarce do racismo de classe sob a capa do racismo de cor, pois os dois racismos eram quase coincidentes. Só por isso podíamos permitir-nos o luxo de sermos generosos com os amigos e parentes pobretanas, os nossos escravos de pele branca. Podíamos, inclusive, permitir que convivessem connosco em nossas casas e comessem à nossa mesa. Mas hoje, quando uma crosta lilás cobre indistintamente todas as peles, somos forçados a rasgar e deitar fora o piedoso disfarce. Acabaram-se os servos sentados às nossas mesas. Acabaram-se as piedosas concessões, o lilás não as consente. Quem branco não merece ser, preto será. Cavalheiros: por causa do lilás deixou de haver coincidência entre os dois racismos. Hoje, ou transformamos radicalmente o racismo de cor em racismo de classe, naquilo que afinal foi sempre, ou perdereis o domínio que haveis obtido sem esforço, esse magnífico império que haveis herdado dos vossos antepassados.
Alguém tenta protestar. Ele passa o lenço pela testa e corta:
– É urgente implantar uma Nova Ordem Lilás, estou a propô-la! Cortina de ferro em torno dos negros! Império sem terror, Império deixa de ser. Digo negros, para simplificar, para continuar uma tradição que nos será útil. Para fora, apregoaremos o racismo de cor. Entre nós, sabemos que é racismo de classe, afinal o único. Estamos apenas a subjugar escravos, qual tivesse sido a sua antiga cor de pele. O que todos já sabiam por instinto, embora se recusassem a aceitar a evidência. Às vezes a verdade assusta, chega até a doer. Mas reparem que foi o racismo de classe, não o de cor, o que forçou a passar de branco a preto aquele que vós bem sabeis. Todos nós sabemos que ele foi branco, ele já duvida que o tivesse sido.
Um outro pergunta:
– Mas o que sugere de concreto?
E o primeiro responde:
– O bairro negro deve ser imediatamente isolado!
Em coro, os cavalheiros repetem:
– Isolado, isolado!
E o primeiro diz ainda:
– É necessário que os negros sejam conduzidos às plantações e às fábricas entre cordões de segurança!
Em coro, os cavalheiros repetem:
– Segurança, segurança!
– Os escravos, os negros, são o nosso gado. Para evitar misturas, cada negro, cada escravo deve ser marcado a fogo, deve ser ferrado!– Ferrado, ferrado!– A cidade negra de Palmira deve ser cercada com arame farpado!– Farpado, farpado!– Para evitar a infiltração de pretos entre brancos, de escravos oportunistas entre senhores, todo o desconhecido que chegue à cidade e se diga branco, deve ser imediatamente linchado!– Linchado, linchado!
Após a reunião começam as lutas e perseguições, cavalos a correr, sangue a jorrar.